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17/09/2015

Inconstitucionalidade do Registro Civil Nacional - RCN do Projeto de Lei nº 1.775/2015 - PEDRO ESTEVAM A. PINTO SERRANO

Setembro/2015 - Inconstitucionalidade do Registro Civil Nacional - RCN do Projeto de Lei nº 1.775/2015

Inconstitucionalidade do Registro Civil Nacional - RCN do Projeto de Lei nº 1.775/2015
03/09/2015 por Pedro Estevam A. Pinto Serrano 

Atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 1.775/2015 visando criar o Registro Civil Nacional – RCN, o que serviria para identificar o brasileiro em todas as suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados.
 
O tema é da maior importância. Além de ser algo presente no cotidiano de cada cidadão, sob a perspectiva de sua relação com o Estado, a identidade é o direito mais fundamental, a partir do qual o sujeito passa a poder exigir a tutela de todos os seus direitos, inclusive a vida, saúde, propriedade, enfim, todos os bens da vida.
 
Em que pese os méritos da intenção, referida proposição, tal como feita, é formal e materialmente inconstitucional.
 
A inconstitucionalidade formal está no afastamento da apreciação, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, de matéria sobre direito individual fundamental à titularidade, intimidade, privacidade e sigilo de dados; na alteração da competência da Justiça Eleitoral por meio de lei ordinária; e, por fim, na inexistência de Análise de Impacto Regulatório. Vejamos.
 
O Projeto de Lei foi classificado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados como uma proposição sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões. Ocorre que, ao dispor sobre direito individual fundamental, relativo à titularidade, intimidade, privacidade e sigilo de dados, a questão obrigatoriamente deve submeter-se à análise e votação em Plenário.
 
Entendemos que as Comissões só podem exarar pareceres conclusivos em sede de proposições legislativas quando os projetos versarem sobre matérias que possam ser objeto de delegação, nos termos do art. 68, § 1º, da Constituição da República, o que não ocorre no presente caso, no qual se configura o vício constitucional já enfatizado.
 
Quanto à alteração da competência da Justiça Eleitoral por meio de lei ordinária, é preciso destacar que se conferiu a ela a função de atribuição e fornecimento do RCN, o armazenamento e gestão da sua base de dados e a administração do Fundo do Registro Civil Nacional – FRCN. Entretanto, a atribuição de competência à Justiça Eleitoral só pode ocorrer por meio de lei complementar, conforme exigência do art. 121 da Constituição da República.
 
Em relação à inexistência de Análise de Impacto Regulatório, por fim, é de se asseverar que a atividade legislativa do Estado deve ser fruto da ponderação entre os valores econômicos e sociais que sofrerão a sua incidência. A realização dos fins da regulamentação legislativa, assim, depende de uma avaliação da necessidade e eficácia dos seus instrumentos, dos seus custos e dos efeitos por ela pretendidos. Tal avaliação ocorre mediante o que se convencionou denominar de Análise de Impacto Regulatório.
 
No caso, o legislador deveria ter realizado a delimitação de objetivos e meios pretendidos, o mapeamento dos prováveis impactos diretos e indiretos e uma análise dos custos e benefícios da medida. Nada disso ocorreu. Especialmente com relação aos impactos do RCN para o secular modelo de registro, exercitado por meio de delegação do Poder Público, absolutamente nada foi avaliado.
 
Já sob o ponto de vista material, a proposição é inconstitucional pelas seguintes razões: transbordamento da função atípica e admissível da Justiça Eleitoral; possibilidade, ainda que por via oblíqua, da comercialização do serviço de conferência da base de dados do RCN a empresas; e, ainda, na impossibilidade de extinção ou limitação da delegação da função pública da atividade de registro por meio de lei.
 
Nesse sentido, no exercício de suas funções institucionais, a Justiça Eleitoral realiza atividades típicas e atípicas. Estas últimas, de cunho administrativo, são desenvolvidas para aferir a capacidade eleitoral dos candidatos e eleitores. Portanto, possuem correspondência direta com a função típica da Justiça Eleitoral.
 
Ocorre que o registro civil que se pretende atribuir à Justiça Eleitoral não guarda qualquer relação com a atividade atípica já desempenhada. É, portanto, absolutamente estranha às suas funções judiciais ou mesmo administrativas. Em outras palavras, o RCN possui uma finalidade em si mesmo, não se constituindo como instrumento para exercício legítimo da democracia, hipótese na qual a Constituição admite a atuação da Justiça Eleitoral.
 
Quanto à comercialização do serviço de conferência da base de dados do RCN a empresas, é preciso salientar que tal serviço é inconstitucional, posto implicar em evidente desvio de finalidade.
 
A proposição vedou a comercialização da base de dados do RCN, mas não impediu o serviço de conferência de dados prestado a terceiros. A alienação onerosa fica mais evidente quando se prevê que o FRCN será constituído, dentre outros, por recursos decorrentes da prestação de serviços de conferência de dados.
 
No tocante à impossibilidade de extinção ou limitação da delegação da função pública da atividade de registro por meio de lei, é fundamental destacar que a atividade de registro, exercitada em caráter privado, ocorre por meio de delegação do Poder Público. Trata-se de imposição constitucional do seu art. 236.
 
Ou seja, o serviço de registro é uma atividade estatal, pública, que, por meio de delegação, é executada pelos oficiais de registro, aos quais compete conferir certeza, eficácia e segurança jurídica aos atos ou negócios da vida privada.
 
Veja-se, portanto, que a constitucionalização do serviço público de Registro Civil de Pessoas Naturais impede que haja extinção ou limitação da referida função pública por meio de lei. Não se admite, inclusive, que haja o comprometimento das fontes de custeio destes mesmos registros, sob pena de cassação implícita da função pública constitucionalmente delegada.
 
Como se não bastassem referidos impactos para as atividades delegadas, há um comprometimento da unicidade registral, que exige que um ato possua apenas um registro. O registro civil paralelo, bem como a duplicidade registral, desta forma, é contrário à certificação fidedigna dos atos da vida civil.
 
Conclui-se, diante do exposto, que o Registro Civil Nacional do Projeto de Lei n.º 1.775/2015 é formal e materialmente inconstitucional.