
O abandono parental e a mudança do sobrenome
A filiação é muito mais do que um vínculo jurídico: é uma relação construída com afeto, cuidado e presença. Quando um dos genitores se omite desses deveres fundamentais, surgem reflexos não apenas emocionais, mas também jurídicos. O abandono afetivo, caracterizado pela ausência injustificada no exercício da parentalidade, tem sido reconhecido pela jurisprudência brasileira como violação aos direitos da personalidade, especialmente à dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, cresce a discussão sobre a possibilidade de exclusão do sobrenome do genitor ausente do registro civil. Tradicionalmente, o princípio da imutabilidade do nome prevalecia no Direito Civil brasileiro, em nome da segurança jurídica. No entanto, o entendimento atual tem evoluído, priorizando a identidade pessoal e o direito de cada indivíduo de não carregar em seu nome a marca de uma relação rompida ou inexistente. A mudança do sobrenome é reconhecida como instrumento legítimo de proteção à integridade emocional do filho abandonado.
A jurisprudência vem avançando nesse sentido. Tribunais, como o do Estado de São Paulo, têm autorizado a retirada do sobrenome do genitor, desde que comprovado o abandono afetivo e material. Para isso, é fundamental a apresentação de documentos, testemunhos e demais provas que evidenciem a ausência contínua, a falta de assistência e o desinteresse no convívio familiar. Essa possibilidade representa uma resposta do Poder Judiciário às necessidades de quem busca alinhar sua identidade oficial à sua trajetória de vida.
A exclusão do sobrenome em casos de abandono afetivo não é apenas uma alteração formal: é um reconhecimento jurídico de que o nome deve refletir vínculos verdadeiros e respeitar a história pessoal de cada indivíduo. Mais do que mudar um registro, trata-se de um ato de ressignificação, de valorização da dignidade e da autonomia de quem foi privado da presença e do cuidado de um dos seus genitores.